Natal em tempos de guerra

Lucas Martins
5 min readDec 22, 2023

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No dia 25 de dezembro de 1914, houve algo inusitado no meio da Primeira Guerra Mundial.

Soldados alemães, franceses e britânicos que combatiam nas trincheiras próximas à cidade de Ypres, na Bélgica, decidiram dar uma trégua no dia do Natal.

Eles se aproximaram das bases inimigas não para lançar bombas, mas para desejar Feliz Natal e compartilhar alimento, bebida e fumo.

Esse milagre de Natal obviamente não partiu de uma sanção das autoridades militares superiores, o gesto foi de iniciativa pessoal dos próprios soldados, que inclusive foram punidos posteriormente pela audácia de querer um dia de paz.

Minha família nunca celebrou o Natal com aquela energia natalina de montar uma árvore, decorar toda a casa, comprar presentes, montar um presépio ou coisas assim.

Apenas fazemos uma ceia caprichada, cantamos músicas de Natal e oramos juntos relembrando o dia em que Jesus nasceu. É sem dúvidas um dia de paz.

É sempre importante lembrar que, quando Jesus nasceu, as pessoas daquela região estavam debaixo de um forte poderio militar romano esperando ansiosamente por um libertador, o Messias do qual os profetas falavam.

Antes de serem dominados pelos romanos, os judeus já haviam sido dominados por outros povos vizinhos (persas, gregos, egípcios, sírios) e sem dúvida havia uma grande expectativa de quando eles poderiam conquistar uma independência na região tal como era nos dias de Davi e de Salomão.

Os profetas haviam dito que a vinda do Messias estava relacionada ao cessar das guerras, o estabelecimento de um Reino conhecido pela paz sem fim, mantido com justiça e retidão e não com sangue de inimigos.

“Pois, toda bota de guerreiro usada em combate e toda veste revolvida em sangue serão queimadas, como lenha no fogo. Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz. Ele estenderá o seu domínio, e haverá paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, estabelecido e mantido com justiça e retidão, desde agora e para sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isso”.

(Isaías 9:5–7)

“Defenderei a minha casa contra os invasores. Nunca mais um opressor passará por cima do meu povo, porque agora eu vejo isso com os meus próprios olhos. Alegre-se muito, cidade de Sião! Exulte, Jerusalém! Eis que o seu rei vem a você, justo e vitorioso, humilde e montado num jumento, um jumentinho, cria de jumenta. Ele destruirá os carros de guerra de Efraim e os cavalos de Jerusalém, e os arcos de batalha serão quebrados. Ele proclamará paz às nações e dominará de um mar a outro, e do Eufrates até aos confins da terra. Quanto a você, por causa do sangue da minha aliança com você, libertarei os seus prisioneiros de um poço sem água”.

(Zacarias 9:8–11)

Essa criança prometida e esperada nasceria em Belém e, se as profecias fossem verdadeiras (spoiler: foram), sem dúvidas ela poderia causar problemas para a manutenção do Império Romano.

A preocupação de Herodes, o Grande, foi tanta que ele determinou a morte de crianças de até 2 anos em toda a região de Belém e adjacências. Os historiadores chamam todo esse período de “pax romana”, mas eu me pergunto para quem foi essa paz.

Sem dúvidas, os povos conquistados e as famílias enlutadas não desfrutavam de paz alguma. Pelo contrário, elas esperavam pela chegada da paz verdadeira, definitiva… eterna.

O problema: Jesus não nasceu no palácio, mas na manjedoura. Não entrou na cidade de Davi com uma carruagem e um exército poderoso, mas montado no jumentinho apregoando a paz a todos, das mulheres samaritanas aos mestres de Israel.

Ele disse que morreria e que voltaria vivo ao terceiro dia, o que de fato aconteceu historicamente (algumas evidências: túmulo vazio reconhecido por todos, relato de testemunhas oculares, relatos independentes, conversão espontânea de familiares e até de adversários dele etc.). Depois de partir o pão, seu corpo foi partido por nós, e depois disso a história do mundo foi partida ao meio: antes dele e depois dele.

“Ele veio e anunciou paz a vocês que estavam longe e paz aos que estavam perto, pois por meio dele tanto nós como vocês temos acesso ao Pai, por um só Espírito. Portanto, vocês já não são estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular…”

(Efésios 2:17–20)

Hoje, ouvi um episódio de podcast que explica como está hoje a região em que Jesus nasceu. São povos vizinhos que vivem em um conflito incessante há séculos. A Rússia está tentando se expandir para países como a Ucrânia desrespeitando sua soberania local. O Brasil está em guerra também, cada vez mais dividido pelas rixas políticas e religiosas.

Embora Jesus, o Rei pacificador, já tenha vindo, ainda não experimentamos totalmente essa paz que Ele tem para nos dar, especialmente porque ainda não estamos vivendo da maneira como Ele ordenou. Ainda estamos centrados em nossos interesses egoístas e não buscando aquilo que Deus quer para nós. Todas as guerras começam dentro da gente, é o que escreveu Tiago, provavelmente o irmão de Jesus.

Quando recebemos Jesus como Salvador e Senhor da nossa vida, confiando que Ele morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa salvação, e algo novo começa a acontecer no nosso ser.

Ganhamos uma nova vitalidade espiritual, somos considerados filhos e filhas de Deus, nossos pecados são perdoados e temos livre acesso ao Pai por meio do Espírito Santo.

Em Cristo, nossas guerras internas encontram um cessar-fogo permanente e passamos a desfrutar de uma paz muito diferente dos alívios passageiros que o mundo dá.

Por causa de Cristo, podemos levantar das nossas trincheiras e oferecer a mão para aqueles que eram nossos adversários, uma trégua, uma bandeira branca de quem foi rendido pela força da paz.

“Vendo as multidões, Jesus subiu ao monte e se assentou. Seus discípulos aproximaram-se dele, e ele começou a ensiná-los, dizendo: Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados. Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos. Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus. Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos céus. Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa os insultarem, perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês. Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a recompensa de vocês nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês”. (Mateus 5:1–12)

Em Cristo, também somos inseridos em uma comunidade de pessoas diferentes e imperfeitas, a partir de onde podemos trabalhar em sinergia para viver uma vida reta, abençoar outros, lutar pela paz e compartilhar o evangelho da paz com as pessoas.

Isso em nenhum momento significa obter a perfeição em todos os níveis da experiência humana. Mas algo começou a acontecer no mundo quando Cristo nasceu, viveu, morreu e ressuscitou por nós, e quando Ele entra na nossa vida, algo começa a acontecer pra valer no nosso coração, na nossa família, em todas as nossas dimensões.

Que o Natal seja para você o cessar das guerras, a chegada da paz: consigo, com Deus e com o próximo.

Bem-aventurados são aqueles cujo coração é governado pelo Deus-menino nascido em Belém, manso e humilde, justo e poderoso, o Rei de toda terra!

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Lucas Martins

Cristão, marido, pai, missionário. Formado em Teologia (Betel) e em Filosofia (UFC).