Eu tenho uma posição política?

Lucas Martins
5 min readAug 4, 2022

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Falar de posição política é difícil, e hoje muitas pessoas estão deixando de tocar no assunto por medo de discussões, constrangimentos e ameaças… 54% dos participantes de uma pesquisa afirmaram já ter vivido algo assim. Já desistiram de se posicionar.

Do outro lado do ringue, existem pessoas realmente viciadas em política, só falam disso o tempo inteiro, só postam coisas em defesa do seu candidato preferido, são agressivas e perdem a paciência facilmente por causa de política.

Não me dou bem com nenhum desses lados. Acho que a sabedoria deve estar em algum lugar entre esses extremos. Não vale a pena entrar em todas as discussões políticas, e também é tolo achar que todos os problemas da humanidade se resolverão se o nosso pensamento político for seguido à risca, mas também não dá para fingir que o tema não é necessário, pois evitar a política é também um jeito de ser político. O silêncio é, em muitos casos, conivência com a injustiça.

Mas ter uma posição política definida é realmente importante? E mais: eu preciso me identificar como alguém de “direita” ou de “esquerda”?

De cara, já afirmo que reduzir política a uma discussão entre “esquerda e direita” é como achar que uma farmácia só serve para você entrar e se pesar, é como ter um smartphone de última geração e usar só para atender chamadas. É claro que se pesar é importante, e talvez alguém ainda ligue para você, mas há toda uma riqueza se perdendo por falta de conhecimento.

No nosso podcast, chamei dois amigos historiadores (um mais à direita e outro mais à esquerda) para conversar sobre direita, esquerda e cristianismo, e vocês podem ouvir clicando aqui. Nesse episódio, tratamos sobre essas definições numa perspectiva histórica, tentamos detectar algumas armadilhas dessa discussão e avaliamos os riscos dela para os cristãos no Brasil. Recomendo fortemente que todos o escutem.

Minha história e meus valores

Eu me aproximei do liberalismo no Ensino Médio, estudando John Stuart Mill, Adam Smith, Alexis de Tocqueville e John Locke na disciplina de Filosofia. Essas leituras me fizeram buscar mais e os princípios que embasam o livre mercado e uma sociedade livre realmente fizeram muito sentido.

A defesa da liberdade (religiosa, política, econômica, artística e jornalística) se tornou um valor fundamental para mim. O Estado precisa garantir essa liberdade sem favorecer ou cercear qualquer indivíduo ou grupo.

O Estado não pode também ter um poder total. Os primeiros liberais foram muito bem ao demonstrar como o poder absoluto corrompe também absolutamente. Toda sociedade que valoriza a democracia precisa criar e fortalecer seus freios e contrapesos institucionais (alternância de poder, tripartição, fiscalização de contas públicas, voto secreto, liberdade de imprensa, pluralismo político etc.), para impedir que os governantes tenham mais poder do que deveriam.

Como cristão, sei que defender a liberdade é importante, e não apenas a da minha religião, mas também a de todas as outras religiões e até mesmo a liberdade de não crer em nada ou de crer em algo que é considerado heresia pela maioria. Minha tradição protestante, batista e arminiana lutou muito por essa liberdade de cantar em outro tom. Isso é importante pra mim.

Por si só, isso me coloca dentro do liberalismo, né?

Mas outro ponto que é importante para mim é o bem comum.

Aristóteles escreveu: “o ser humano é um animal político”. Nossa natureza não nos deixa a opção de vivermos sozinhos. Nossa sobrevivência e desenvolvimento dependem de variadas formas de amparo familiar e comunitário. Precisamos uns dos outros. Mas nem sempre uma sociedade é justa para com seus indivíduos. Somos seres diferentes, o que é bom, mas nossos objetivos e interesses às vezes são opostos e conflitantes.

Como essas diferenças naturais entre as pessoas podem conviver pacificamente? Por meio de acordos. É necessário que haja uma res publica, uma coisa pública, de interesse de todos, mantida por todos. O Estado de Direito é um desses acordos, garantindo que todos os indivíduos estão sob as mesmas leis e possuem os mesmos direitos.

Isso me soa muito bem, já que eu acredito que todos os seres humanos são feitos à imagem e semelhança de Deus. Parece justo que todos tenham os mesmos direitos e deveres em uma dada comunidade.

Mas na prática nós temos todos o mesmo acesso e a mesma dignidade? As oportunidades de autodesenvolvimento estão sendo iguais para todos? Uma pessoa com fome pode ter acesso à educação da mesma maneira que uma pessoa saciada e bem nutrida? Pessoas negras ou indígenas são tratadas da mesma forma que pessoas brancas na nossa sociedade? É claro que não!

E dada a grandeza do problema, é improvável que uma pessoa, uma empresa ou uma ONG consiga resolvê-lo sozinha. É necessário pensar na importância estratégica do Estado para articular os diversos setores e recursos da sociedade e promover bem-estar social, ajudando a reduzir injustiças e levando acesso a direitos básicos para pessoas vulneráveis. Isso me aproxima um pouco mais da social-democracia (tenho gostado dos textos do pastor Antônio Carlos Costa, que está longe de ser “comunista” ou adepto de uma “teologia liberal”).

Mas não acho que seja apenas responsabilidade do Estado. Hoje vi a notícia de que um menino de 11 anos ligou para a polícia porque estava com fome e não tinha o que comer dentro de casa. Muitas famílias estão passando por isso agora mesmo no Brasil. Como não se sentir responsável também por isso?

Leio na Bíblia o quarteto dos vulneráveis (órfãos, viúvas, estrangeiros e pobres) e vejo o quanto Deus se importou com eles, criando leis para lhes dar uma condição digna, punindo seu povo cada vez que não tinham compaixão por eles.

Lavem-se! Limpem-se! Removam suas más obras para longe da minha vista! Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva. (Isaías 1.16–17)

Estou estudando mais sobre o liberalismo e sobre a social-democracia, e os limites de cada um desses pensamentos. Suécia, Dinamarca e Alemanha são exemplos de sociais-democracias entre os países desenvolvidos. Coreia do Sul, Irlanda e Nova Zelândia são exemplos de países liberais desenvolvidos.

Eu não sei qual o melhor modelo, qual o modelo que funciona para o Brasil, não sei nem mesmo em quem eu vou votar. Mas não vejo problema em um cristão adotar um ou outro modelo econômico desses que tratei acima. Eu mesmo creio que sou um pouco de direita e um pouco de esquerda. Ainda bem que a salvação é pela graça, mediante a fé, e não vem pela exata compreensão de fatores econômicos e de questões políticas!

Agora, o que eu sei é que essa fé é expressa por obras (Tiago 2). Então, que as ideologias não assassinem nossa compaixão. Não é ser de direita ou de esquerda (ou de centro) que colocará nosso cristianismo sob suspeita, mas sim a falta de amor.

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Lucas Martins

Cristão, marido, pai, missionário. Formado em Teologia (Betel) e em Filosofia (UFC).