A sinergia do sinergismo

Lucas Martins
4 min readDec 12, 2023

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É quase sempre difícil rastrear a origem das palavras. Quando se trata de termos teológicos, porém, uma coisa é certa: o termo veio do grego ou do latim. Com um pouco de prática, vamos adquirindo algum vocabulário para nos ajudar a identificar quem é quem.

“Sinergismo” vem do grego syn + ergos (aquele que trabalha junto, colaborador, cooperador). Acho que você se lembra de “sinergia”, “sincronia”, “ergonomia”.

Paulo usa esse termo synergos se referindo a seus amigos Timóteo, Tito, Epafrodito, Priscila, Áquila, entre outros, mas é na sua carta à igreja de Corinto que ele diz que todos eles juntos eram "colegas de trabalho" de Deus (synergos, 1Co 3.9).

Nessa carta, Paulo está tentando resolver o problema do partidarismo. Lá em Corinto, um grupo dizia que era de Apolo, o outro dizia que era de Paulo, outro dizia que era de Pedro, e ainda havia outro grupo que dizia que era de Cristo (1Co 1.10–13).

O próprio Paulo aponta o quanto esse tipo de discurso é mundano e tem sido promovido por irmãos carnais, imaturos na fé (1Co 3.1–4). Sua resposta a Corinto é dura e instrutiva para nós hoje, mas, francamente?, nossa realidade brasileira não está muito distante da situação coríntia.

Depois de estabelecer o tom com que ele vai tratar esse problema tão grave, o apóstolo começa uma série de argumentos contra o partidarismo.

5 Afinal de contas, quem é Apolo? Quem é Paulo? Apenas servos por meio dos quais vocês vieram a crer, conforme o ministério que o Senhor atribuiu a cada um. 6 Eu plantei, Apolo regou, mas Deus é quem fez crescer; 7 de modo que nem o que planta nem o que rega são alguma coisa, mas unicamente Deus, que efetua o crescimento. 8 O que planta e o que rega têm um só propósito, e cada um será recompensado de acordo com o seu próprio trabalho. 9 Pois nós somos cooperadores de Deus; vocês são lavoura de Deus e edifício de Deus. 10 Conforme a graça de Deus que me foi concedida, eu, como sábio construtor, lancei o alicerce, e outro está construindo sobre ele. Contudo, veja cada um como constrói. 11 Porque ninguém pode colocar outro alicerce além do que já está posto, que é Jesus Cristo. (1Co 3.5–11)

Nós somos apenas servos de Deus, instrumentos de Deus. Cada um de nós recebeu um ministério de Deus (plantar, regar etc.). Cada um de nós receberá recompensa pelo seu próprio trabalho, contudo Deus é o único que pode receber mérito pelo crescimento da igreja, Ele é o único que “é alguma coisa”. Nós somos cooperadores de Deus, na lavoura e no edifício que pertencem a Ele.

Deus está chamando seus filhos para cooperar com Ele na edificação da Sua igreja, um trabalho de equipe pautado na graça e sem nenhum espaço para o mérito humano. Todas as vezes que nós consideramos Paulos, Apolos e Pedros além do que eles de fato são, nós estamos dando mérito a quem não tem nenhum.

Todos nós somos pecadores e todos nós somos alvo da graça imerecida de Deus. Todos nós recebemos desse presente e agora em Cristo, pelo Espírito, nos tornamos servos uns dos outros e de Deus; através do nosso esforço colaborativo, mais pessoas conhecerão a Cristo. A uma igreja que valorizava o protagonismo humano, Paulo diz que somos parceiros… uns dos outros e do próprio Deus. O sinergismo é a resposta paulina ao partidarismo.

Veja, Deus não precisa da gente, mas Ele escolheu nos salvar, nos dar toda graça possível e nos usar como seus instrumentos. E que honra é poder participar genuinamente do que Ele está fazendo no mundo. Essa é a sinergia do sinergismo evangélico.

Agora, esse não é o único tipo de sinergismo. Existe um sinergismo não-evangélico, que coloca Paulos, Apolos, Pedros como sendo os deuses e Deus em segundo plano, como sendo um mero cooperador em nossa jornada. “Obrigado pelos conselhos, Deus, mas agora assumimos daqui”. Esse tipo de sinergia na pior das hipóteses tenta tirar o elemento transcendente do processo de plantação de igrejas e até mesmo da nossa experiência de salvação. Sem a percepção da necessidade do poder de Deus, sem fome e sem sede espiritual, sobre espaço para apenas técnicas de liderança, marketing e de oratória. Nada contra algumas dessas técnicas, elas apenas não foram feitas para usurpar o lugar de Deus.

A visão não-sinergista (monergista) surge como uma resposta poderosa e bíblica a esse tipo de sinergismo centrado no homem. O monergismo é a ideia de que Deus causa e determina tudo o que acontece no universo, não restando participação genuína ao ser humano. Há participação, sim, mas até ela é causada por Deus. Essa perspectiva trouxe uma contribuição significativa para nos lembrar que Deus é o grande autor da nossa fé e único responsável pelo crescimento da igreja. Prefiro mil vezes esse monergismo evangélico e centrado em Deus do que o sinergismo herético centrado no homem. Mas, na minha visão, o monergismo ainda precisa se esforçar muito para interpretar passagens como essa de 1Coríntios sem anular a participação humana que é clara nesses e em outros textos. Afinal, nós somos cooperadores (synergos) de Deus, não porque Deus precisa de nós, mas porque Ele soberanamente escolheu nos convocar para um honroso trabalho de equipe.

O sinergismo evangélico é um equilíbrio entre o monergismo evangélico e o sinergismo não-evangélico, e penso que é uma categoria da teologia que pode nos ajudar a entender a dinâmica de passagens como a de 1Coríntios, respondendo ao protagonismo humano, apontando para a graça de Deus e nos convidando a servir uns aos outros e ao Deus que nos chamou.

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Lucas Martins

Cristão, marido, pai, missionário. Formado em Teologia (Betel) e em Filosofia (UFC).